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CENTA na OBS

Artigo publicado na revista OBS do Observatório das Actividades Culturais nº 15 – Abril de 2007

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Criado em 1989, o CENTA - Centro de Estudos de Novas Tendências Artísticas tem vindo a realizar num concelho do interior (Vila Velha de Rodão) um trabalho pioneiro no domínio das residências artísticas. Neste depoimento é feito um balanço na primeira pessoa de quase duas décadas de actividade. A breve recapitulação de múltiplos projectos desenvolvidos dá a perceber os seus principais objectivos e sucessos, passando por diversas formas de parceria com outras entidades, mas também as principais dificuldades de ordem financeira e institucional sentidas ao longo do percurso.

"NÃO BASTA abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores."
Alberto Caeiro

[CENTA... UM ESPAÇO IMPROVÁVEL NO MEIO DO CAMPO]

Está na moda o fascínio pelo meio rural. Uma carroça puxada por um burro, uma moçoila corada a dar milho às galinhas ou um velho pastor de cajado a olhar para o horizonte acompanhado pelo som pungente dos badalos, são imagens que compõem qualquer artigo jornalístico programa ou anúncio televisivo, pensado para chegar à população, na sua maioria de origens rurais, que mantém uma relação nostálgica com esse mundo a desaparecer um pouco todos os dias perante o olhar distraído de todos. A doença das vacas loucas, as dioxinas, os vestígios de antibióticos, pesticidas e hormonas de crescimento agudizaram a sensibilidade do comum dos cidadãos para a importância da qualidade dos alimentos e concomitantemente para o espaço rural que os produz. Não é por acaso que se assiste a um verdadeiro boom de vendas de produtos biológicos e à expansão dos modos de agricultura biológica e biodinâmica por todo o país. Paradoxalmente as pessoas do campo, fascinadas pela superabundância e anonimato das cidades, fixam-se nos centros urbanos e abandonam as suas terras, o trabalho das hortas e da criação para comprarem fast-food, frangos de aviário, alfaces e couves baratas nos hipermercados.
Está em curso, ainda lentamente, um repovoamento do espaço rural por “novos camponeses” que com outras mundivisões e necessidades imprimem novas dinâmicas e criam novas valências nos lugares agora desabitados. Há quem satisfaça a necessidade de contacto com o campo/natureza comprando um pedaço para disfrute de fim-de-semana. Mas há, cada vez mais, quem troque a cidade pelo campo para dar corpo a projectos peculiares. O Centro de Estudos de Novas Tendências Artísticas (CENTA) é um deles. Trata-se de uma estrutura profissional de apoio à criação, na área das residências artísticas, fundada para promover a arte contemporânea, em especial nas áreas da Dança e das Artes Visuais. Funcionando nas instalações cedidas por uma casa agrícola (Tapada da Tojeira), com lagar tradicional de azeite e um rebanho de 200 ovelhas em modo de produção biológico, situa-se no concelho e freguesia de Vila Velha de Ródão (VVR ), perto de Castelo Branco. Com uma matriz fortemente rural, o concelho apresenta um dos índices de envelhecimento mais elevados do país: morrem 200 pessoas e nascem 4, em média, por ano. Actualmente, em todo o concelho, existem apenas 227 crianças em idade escolar, em 1989 eram 500.

BREVE HISTORIAL

Em 1989, as transformações visíveis actualmente já estavam em marcha. Sendo hoje indispensáveis para pensar o CENTA, não foram, de modo directo, determinantes para a sua criação. A sua existência resultou de um encontro feliz de interesses e de recursos: o interesse do produtor e actor Miguel Abreu, director da Cassefaz, em dinamizar as artes performativas nesta zona, o interesse do então Presidente da Câmara de VVR (Insp. Baptista Martins) em instalar uma estrutura cultural profissional no concelho, os recursos do empresário agrícola Luís Coutinho (gestor da Herdade da Tapada da Tojeira) e a minha disponibilidade e vontade, enquanto produtora, em trabalhar em regime de voluntariado. Foi nesse ano que o Miguel Abreu convidou a coreógrafa Madalena Victorino para fazer um projecto na Herdade da Tapada da Tojeira (Projecto Tojeira) e, através de mim (Graça Passos), a Monumental, artistas associados para o co-produzir (1). É no texto “Tojeira – uma perspectiva de produção” que se anuncia a criação do CENTA e se explicitam as questões que o motivaram, implícitas já no próprio projecto: “ (…) Não deixa também de ser perceptível o imobilismo da criação artística portuguesa, sobretudo no campo das artes cénicas. Desta consciência nasce o Projecto Tojeira. Um projecto de Experimentalismo Puro, sem objectivos claramente definidos senão o de Experimentar! Experimentar o quê? Experimentar no campo da produção cultural, no campo da criação artística, no campo da agricultura”.
No campo da agricultura pretendia-se demonstrar a apetência do campo para outras actividades nomeadamente o turismo cultural e “desenvolver um trabalho pedagógico com uma população local pouco habituada (ou mesmo nada habituada) à convivência artística. No campo da produção cultural, experimentar o interesse dos artistas (...) oferecer-lhes um tempo de trabalho (...) permitir-lhes cruzar linguagens artísticas diferentes. Tentar que a criação acontecesse sem qualquer tipo de compromisso. Mais do que um objecto, códigos artísticos era o pretendido. E para a produção esse era um aspecto fulcral: testar as capacidades de motivar a Câmara Municipal de VVR, a Portucel, a Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), a propriedade rural e as suas gentes, para um projecto que não desejava apresentar resultados objectivos, mas tão só permitir o estudo e o trabalho prático e teórico, sobre os vários tipos de propostas artísticas que se desejem experimentar!” (2).
A escolha de Madalena Victorino é fulcral na génese do CENTA pois esta é uma coreógrafa que afirma a existência de “um valor estético em cada corpo que se movimenta (...) aprecia a dinâmica motora dos que (...) andam, correm, falam, caem, gesticulam – enfim existem segundo os princípios universais com os quais os simples mortais dão ritmo ao contexto espacial em que se movem; vê a dança como uma actividade comunitária e não como um prazer acessível a uma mão-cheia de privilegiados (...) e acredita numa relação directa entre os movimentos e os ambientes onde se implantam, ou seja, toma os sítios como lugares estéticos a habitar e, simultaneamente , como fontes de inspiração” (3).
É esta perspectiva da dança que está patente no trabalho feito e que é corporizada, de forma exemplar, no projecto ®existir. Este primeiro projecto, ao inserir o CENTA na recém-nascida comunidade da Dança Contemporânea portuguesa, condicionou de forma determinante toda a sua estruturação. Em 1990, já desligada da Monumental, dediquei-me em exclusivo ao CENTA e a partir de 1992 a Cassefaz deixou de estar envolvida na produção. Durante esse período inicial, as instalações não tinham electricidade, trabalhava-se com candeeiros a petróleo, não havia estúdio, pelo que se aproveitavam todos os espaços existentes. Por essa altura, não se vislumbrava meios de financiamento quer para a recuperação das instalações, quer para a equipa, quer para os projectos, apesar do interesse manifesto da Câmara. Não fazia sentido manter uma estrutura para produzir apenas um projecto anual. Era fundamental ter alguém, da equipa, a viver em VVR.
Em 1993, preenchi a vaga de professora efectiva, no grupo de Ciências Naturais, na escola dos 2º e 3º Ciclos de VVR e fui viver para a Tapada da Tojeira. Daí até 1999 fizeram-se, para além das residências, inúmeras experiências que abarcaram a integração de histórias e pessoas da localidade («Projecto Salgueiral»); projectos eminentemente urbanos («Lisboa Fora de Horas»); a organização de exposições temporárias de artes plásticas («Variante à Estrada Nacional n.º1»); a produção de espectáculos («Mishima em retrato vidro Múrmuro») e a criação de um programa de formação artística pontual para as escolas.
Este período foi fulcral para perceber melhor o que poderia e deveria ser o CENTA. O projecto inicial foi reformulado em função da comunidade artística e das características das populações e foi apresentado a concurso como estrutura de Dança obtendo o seu primeiro apoio estatal no valor de 20 000 euros. Em 2001 voltou a concorrer a um programa bianual, tendo passado a usufruir de um financiamento no valor de 35 000 euros que foi prorrogado até 2004, devido aos atrasos gerados pela implementação do novo regime de apoio às áreas artísticas criado pelo então ministro Pedro Roseta. No âmbito desse novo regime, o CENTA usufrui, até 2008, de um apoio sustentado, agora como estrutura pluridisciplinar, no valor de 70 000 euros. Estes programas permitiram a criação de uma pequena equipa de trabalho que, este ano, pela primeira vez integra dois criadores, Nuno Carrusca (Artes Visuais) e Maria Belo Costa (Dança/Teatro), actualmente a viver no Salgueiral (4). Pela primeira vez também este ano, o CENTA orientou dois estágios profissionais, um dos quais integrou a equipa e, em 2007, orientará o de Luís Ferreira (designer) e de Lara Soares (artista plástica) ambos formados na ESAD das Caldas da Rainha.
Para além do apoio à criação contemporânea, centro de toda a actividade, foram definidos mais dois objectivos que o complementam: a difusão e o desenvolvimento de políticas culturais estruturantes a nível nacional. Com o primeiro (difusão) pretende-se aproximar as populações locais (rurais e urbanas) da comunidade artística, reforçando a sua identidade cultural. Este objectivo concretiza-se através do contacto directo com os criadores (apresentações públicas e visitas guiadas às residências (5), da criação de projectos artísticos com a comunidade, do fortalecimento das relações com entidades locais, da formação artística contínua e pontual (formação de públicos), da formação de profissionais qualificados residentes na região e finalmente da dinamização do Núcleo de Arte Contemporânea (NAC). Estas actividades são asseguradas por artistas, em residência ou não, determinados a trabalhar com a realidade existente valorizando o que há (pessoas, lugares e coisas) valorizando o ser (o que se tem / onde se está) em detrimento do ter (adquirir / consumir).
O segundo (desenvolvimento de políticas culturais estruturantes a nível nacional) resultou da percepção da precariedade em que as estruturas independentes realizam o seu trabalho, da ainda reduzida implantação da dança contemporânea no país e, portanto, da evidente necessidade de dinamizar o trabalho conjunto no seio de uma associação representativa do sector: a REDE – associação de estruturas para a dança.
Em relação ao apoio à criação contemporânea, ele é concretizado através das residências artísticas (1989/2008). O CENTA ocupou as instalações existentes dispondo actualmente de nove quartos divididos por quatro casas (casinhas) com capacidade para alojar 14 pessoas, uma cozinha, um estúdio (lagar original da herdade), o centro de documentação (ainda por equipar), para além dos espaços da casa grande onde está instalado o escritório. A limpeza e a manutenção das instalações é providenciada pela estrutura que disponibiliza também os serviços de secretariado e de produção, assegurando a divulgação do trabalho dos criadores junto das instituições e populações locais. O acesso ao programa de residências artísticas é feito através de um pedido que inclui uma sinopse sucinta do que se pretende fazer e o currículo. Pretende-se que o espaço seja de fácil acesso reduzindo os procedimentos burocráticos ao mínimo. O tempo de estadia é definido de acordo com as necessidades do criador, podendo variar entre períodos de um ano a apenas alguns dias sendo mais comum variar entre 15 a 30 dias. O trabalho a desenvolver pode ser a concepção de um espectáculo, mas pode ser apenas um período de investigação/reflexão. Mercê da aproximação às escolas do ensino superior, assiste-se a uma procura crescente de residências para aprofundar o trabalho das aulas. São aceites propostas de qualquer área, embora a maior parte das residências sejam de Dança, seguindo-se o Teatro, as Artes Visuais e pontualmente outras áreas. Está fixada uma taxa de utilização no valor de 5 euros/pessoa que só é aplicada quando os projectos dispõem de verbas suficientes para cobrir esse custo, estando essa decisão a cargo dos criadores. Na maior parte das vezes, define-se uma troca de serviços o que permite ao CENTA dispor de profissionais qualificados para dinamizar os projectos em curso ou iniciar novas actividades. Por exemplo, em 2006, o Teatro Praga participou ao longo da sua residência em duas conversas sobre o trabalho do Grupo (estudantes do Erasmus / Universidade da Beira Interior e população do Fundão) e fez duas apresentações públicas dos espectáculos em criação “Our Party People” e “Quarteto” (uma em Vila Velha de Ródão e outra em Alcains), serviços que ultrapassarm muito o valor da taxa de utilização.
Cada criador é um caso, para uns é importante ter compromissos e datas definidas, para outros isso é limitativo e inibidor. Alguns só no fim da residência é que descobrem a necessidade de fazer uma apresentação pública, enquanto outros a marcam logo na proposta inicial e outros nunca a solicitam. É necessário acompanhar o processo de perto, é preciso ter capacidade de evitar compromissos que condicionem os criadores, mas, ao mesmo tempo, garantir a divulgação do seu trabalho e evitar situações que frustem o público, com remarcações sucessivas de datas. Estabelece-se uma relação informal de proximidade e de cumplicidade com os criadores proporcionando um bom ambiente de trabalho. As residências propiciam óptimas condições de concentração e “para além do contacto entre as pessoas, permitem uma vivência do lugar, que envolve os criadores e os habitantes locais numa teia de afectos e de cumplicidades muito rica. (...) Os criadores vêem este lugar com outros olhos, são capazes de descobrir e de fruir aquilo, que de tão evidente, passa despercebido aos habitantes transformando-os em coisas preciosas, o que contribui de forma silenciosa, mas firme, para a valorização deste lugar e das pessoas que ainda não o abandonaram. Se ver com outros olhos é importante para os mais velhos, revela-se fundamental para os mais novos. É através desta mudança, que se tem operado milímetro a milímetro, ao longo destes dez anos, que o CENTA poderá provar (daqui a muitos anos) o seu contributo para o desenvolvimento local”(6). Sete anos após este texto, ao analisar o trabalho feito entretanto, são visíveis estas pequeninas mudanças.
Um outro aspecto importante é o estabelecimento de relações profissionais, dos criadores com as entidades locais, o caso da coreógrafa Filipa Francisco é um bom exemplo. Esta coreógrafa, que tem feito residências ao longo dos últimos sete anos, estabeleceu uma relação de trabalho regular com alguns agentes locais ( ASTA e Grupo de Teatro da UBI) tendo apresentado os seus espectáculos na Covilhã, Fundão e VVR para além do trabalho que desenvolve no âmbito do projecto ®existir, em Castelo Branco.
Estabeleceu-se um protocolo de colaboração entre o CENTA e a Quarta Parede, sediada na Covilhã, que promove a integração de dois dos projectos desenvolvidos anualmente em residência no Festival Y, produzido por esta estrutura.
Em 2005, para reforçar o apoio à criação, iniciou-se o Programa de Co-produção. Através deste programa o CENTA comprometia-se a procurar outros co-produtores, um espaço de apresentação, uma residência com a duração mínima de um mês e uma bolsa de criação (1250 euros/mês) para um projecto de um artista convidado. Não tendo um trabalho fixo, a maior parte dos criadores assegura a sua sobrevivência através de trabalhos por projecto, dispondo apenas de curtos períodos, ao sabor das solicitações, para se dedicar à criação e estar em residência. Esta precariedade afecta sobretudo os mais novos e/ou os que não estão ligados a estruturas profissionais com consequências muito negativas para a diversidade e renovação do tecido profissional. Nesse mesmo ano a performer Margarida Mestre foi convidada para desenvolver o projecto “Tragédia em III Actos e Meio”. Ao longo da residência, de três meses, a par da recolha de materiais junto dos idosos para quem fez uma apresentação especial, orientou as aulas do 1º período lectivo na oficina de teatro da E.B. dos 2º/3º Ciclos de VVR, algumas aulas no Estabelecimento Prisional de Castelo Branco no âmbito do projecto ®existir e fez uma apresentação pública no final da residência. Todo este trabalho voluntário partiu da exclusiva disponibilidade da criadora. Este programa foi interrompido em 2006 por falta de verbas.
Existe uma relação de grande proximidade com muitas das estruturas de Dança Contemporânea em particular com a Re.Al, o N.E.C., o Rumo do Fumo e o C.E.M. que solicitam residências regularmente para os criadores que apoiam. O coreógrafo Miguel Pereira, as residências no âmbito do projecto Inter.faces e as residências no âmbito da Zona Z, são disso bons exemplos. Têm-se feito algumas tentativas no sentido do trabalho em residência ser acompanhado por teóricos que possam estimular o aprofundamento das questões em jogo e facilitar o descentramento do criador em relação ao processo, mas até agora não foram bem sucedidas por razões que se prendem sobretudo com a falta de disponibildade de tempo e de recursos financeiros. É cada vez mais comum as estruturas profissionais e os teatros terem e/ou promoverem espaços de residência, parecendo estar ultrapassada a questão da sua pertinência.

APOIOS EXISTENTES E RELAÇÃO COM AGENTES/INSTITUIÇÕES

Os principais recursos do CENTA são: a utilização gratuita das instalações, o trabalho voluntário feito por mim, o apoio financeiro do IA/Ministério da Cultura; o apoio do IEFP através do apoio aos estágios profissionais e do Programa Ocupacional. Estes apoios asseguram o espaço e a equipa de trabalho, elementos essenciais da estrutura, que por sua vez assegura os recursos humanos para a maior parte dos projectos em curso [Projecto de Formação Artística Contínua para o 1º Ciclo, Oficina de Teatro da EB2º/3º Ciclos de VVR, Programa de Formação Artística Pontual, NAC, Experimenta o Campo, Leituras ao Domicílio, Paisagens, Residências Artísticas, ®existir (parcialmente)]. Todos os outros apoios são descontínuos e/ou de pequena dimensão, mas vitais para a viabilização de projectos necessitados de recursos materiais e humanos que extravasam a estrutura e a colaboração dos artistas residentes. É o caso do apoio financeiro das Juntas de Freguesia de VVR e Fratel, da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), da Profilaxia Social, do apoio logístico de entidades locais como os grupos de teatro Váatão, Cães à Solta, da AERID, do IPJ, da Câmara Municipal de Castelo Branco e de apoios existentes este ano como a co-produção do Teatro Camões, Associação Pinus Verde, Câmaras de Nisa e Fundão e os auferidos ao abrigo da lei do mecenato: Gráfica do Tortosendo e da Gonfer, Jangada de Pedra e Scutvias entre outros.
A única grande empresa sediada em VVR é a Celtejo (ex-Portucel). Extremamente poluente, constitui um travão à fixação da população e ao desenvolvimento de actividades ligadas ao rico património natural do concelho, não tem desenvolvido dinâmicas que atenuem os efeitos negativos da sua actividade. Em 2001, solicitámos, em vão, apoio mecenático apesar de ter contado, na altura, com a colaboração do presidente da Câmara. Em Setembro de 2006, voltámos a solicitar apoio, agora á nova administração, mas até à data não obtivemos qualquer resposta.
O CENTA concorreu ao Programa de Promoção de Projectos Educativos na Área da Educação, da responsabilidade conjunta dos Ministérios da Educação e da Cultura criado no fim de 2005, que apoia a deslocação dos estudantes a espaços culturais. No entanto, apesar de pensado para o ano lectivo de 2005/06, ainda não foram divulgados os seus resultados (7).
Este ano, pela primeira vez, vendemos um serviço por encomenda à Câmara Municipal do Fundão (CMF). A possibilidade de ter profissionais, da equipa do CENTA, que assegurem actividades continuadas remuneradas no seio de outras entidades ainda não se concretizou apesar de já se assistir à contratação de profissionais que se tornaram conhecidos através do CENTA. É o caso de Leonor Barata (Dança) e Magda Henriques (História de Arte) ambas a trabalhar para a CMF, sendo a última autora dos projectos “Derivas” e “Práticas Artísticas Contemporâneas”, criados para o CENTA em 2004, e actualmente inseridos na programação do município.
A venda de serviços especializados pode vir a constituir, no futuro, a principal fonte de recursos, pois a tendência natural é que a sua procura, na área cultural, aumente. Ela já existe mesmo em Vila Velha, o que acontece é que as câmaras vão comprar esses serviços a estruturas fora do seu concelho, nalguns casos, para usufruírem do apoio conferido ao abrigo do Programa Território Artes, já que este não financia, por exemplo, a compra de ateliês a estruturas locais. É natural também que comece a haver públicos para programas de turismo cultural que integrem os nossos serviços. O que acontece neste momento é que os turistas, geralmente com pouco poder de compra, procuram actividades ligadas à natureza (caminhadas, passeios de barco) ou ao património. O público interessado nos nossos serviços ou não tem poder de compra ou não é suficientemente numeroso para atingir o número mínimo de participantes necessário à viabilidade económica de cada actividade.
O acesso a programas comunitários é interdito pela pequena dimensão do CENTA. Não há recursos humanos especializados para a parte burocrática, nem fundos suficientes que permitam receber o financiamento só após o pagamento das despesas. Já se desenvolveram esforços, nomeadamente junto de câmaras, para estabelecer parcerias que permitam recorrer a esses fundos, ainda sem qualquer sucesso.
O CENTA tem o privilégio de, pelas características do seu trabalho, poder candidatar-se a financiamentos que vão da área da cultura à área agrícola passando pela educação, justiça, ciência, turismo e área social. No entanto, a pesquisa de financiamentos e a elaboração de candidaturas requer o trabalho de um profissional especializado a tempo inteiro, recurso ainda inexistente. De um modo geral, a relação com as instituições locais tem-se fortalecido e diversificado ao longo do tempo. Essa evolução, de grande importância, é particularmente nítida a partir de 2005 , mercê da progressiva estabilização da equipa de trabalho. Actualmente são excepções, no sentido negativo, a Câmara Municipal de VVR e as duas associações de que esta é sócia: a ADRACES (associação de desenvolvimento que gere os fundos para o desenvolvimento rural do programa Leader) e a Naturtejo.

PROBLEMAS E DIFICULDADES

“A Beira Interior repete a estratégia de desenvolvimento cultural comum num país em que o principal problema já não é a falta de meios mas a sua gestão. O plano estratégico para a definição da política cultural do concelho de Castelo Branco finalizado em 2002 ficou na gaveta e continuamos a ter uma actividade cultural episódica (...). A Câmara continua a funcionar numa lógica municipal não se assumindo como capital de distrito capaz de promover dinâmicas culturais próprias dos centros urbanos. Equipamentos estruturais como o Centro Cultural de Idanha e o Cine-Teatro de Castelo Branco, continuam sem equipa de programação,(...) não existe um trabalho contínuo e estruturado fruto de uma aposta política de médio e longo prazo” (8). A Câmara de VVR inaugurou, no ano passado, a Casa das Artes e da Cultura do Tejo tendo como programadora a própria Presidente e não dispondo de orçamento para programação. Estes investimentos exemplificam bem, na área da Cultura, o que o filósofo José Gil denomina o “álibi de inscrição”. Os autarcas vão “de uma tarefa a outra, de um empreendimento a outro, de um afecto a outro, de um pensamento a outro. Sempre saltitando, em trânsito permanente para parte nenhuma” (9). Para além dos problemas próprios da conjuntura política a nível nacional e regional, há outros decorrentes da própria natureza do CENTA .Trata-se de um projecto atípico. Não foi desenvolvido à volta de um criador, não foi implementado para dinamizar um festival. É um projecto de produtores para criar um terreno propício ao desenvolvimento da arte contemporânea. É um recurso à disposição da comunidade artística e da população local. Não tem o brilho dos artistas, apesar de serem o seu centro, nem a visibilidade das salas de “espectáculo”, apesar de estarem no seu horizonte. Alimenta-se da invisibilidade e da continuidade. A maioria das estruturas profissionais estão inseridas em dinâmicas culturais urbanas desempenhando funções muito específicas, com acesso a profissionais qualificados, a parceiros institucionais com práticas culturais instaladas e a circuitos com público próprio. O CENTA, pelo contrário, surge desgarrado numa zona do interior sem dinâmicas culturais, com uma população rarefeita sem qualquer contacto com arte contemporânea. O confronto com situações desconhecidas é permanente, sendo necessário estar sempre a reflectir, a reformular, a teorizar, a inventar instrumentos de trabalho. A escassez de rotinas torna o trabalho mais interessante mas mais difícil de executar, de rentabilizar e de encontrar profissionais à altura e que (também) queiram sair da cidade. Infelizmente, muitos destes problemas são comuns a outras estruturas de Dança mas aqui são mais intensos.

EXPECTATIVAS PARA O FUTURO

A curto prazo, para além da continuidade dos projectos abaixo descritos, prevê-se uma intensificação do trabalho de criação com a população (Projecto Paisagens) e de um outro que, partindo de todo o trabalho já realizado no Salgueiral, convocará outras áreas de investigação para pensar aquele lugar no contexto do mundo rural do século XXl; o desenvolvimento de trabalho na área da Arte e Ciência preconizado quer pela parceria no projecto TeDance da Faculdade de Motricidade Humana, quer pela relação estabelecida com o laboratório de experimentação artística Ectopia através das artistas plásticas Marta Menezes e Maria Manuela Lopes e a concretização do primeiro projecto de criação – “Ponto (I)móvel” de Maria Belo Costa. A médio prazo, o novo regime de apoio financeiro do Estado, criado pela actual ministra Isabel Pires de Lima, apenas prevê o apoio quadrienal (só esta periodicidade permite continuar a rentabilidade entretanto conseguida) a estruturas de criação e de programação, e apesar de, graças à pressão da Rede, o Decreto-Lei (10) referir a área das residências artísticas, esse apoio só será viabilizado se houver vontade política – caso contrário, 2009 será o ano provável de encerramento do CENTA.

CONCLUSÃO

É de fundamental importância ter-se passado do desejo à realidade, da teoria à prática. A arte é um forte motor de desenvolvimento a nível individual e social. É a presença dos criadores neste lugar que inscreve o CENTA na realidade cultural do país. A comunidade da Dança Contemporânea é peculiar pela lucidez, sentido ético e capacidade de descentramento permitindo-lhe empenhar-se na criação das condições necessárias à diversificação e estabilidade do tecido profissional. Os criadores sabem que essa vitalidade é a matriz fundamental que alimenta, a longo prazo, o trabalho individual de cada um. Essa lucidez é rara na comunidade artística alargada, o que contribui para a instalada política saltitante, na qual os criadores e intelectuais são simultaneamente cúmplices e reféns. O caso do CENTA sublinha a importância das estruturas profissionais independentes. A capacidade de trabalho, de estabelecer pontes, de rentabilizar meios, de inventar soluções e de criar sentido são algumas das suas características. São estas estruturas que, na sua maioria, estão na génese das novas centralidades. Parece pois oportuno fazer-se uma reflexão séria sobre o seu trabalho, criando condições para o aproveitamento deste potencial na tão falada (desejada?) descentralização cultural.

(1) A associação Monumental, Artistas Associados, surgida da cisão do grupo Monumental, residente na galeria Monumental em Lisboa, assegurava a programação da galeria criada em parceria com a livraria Bertrand, a Monumental/Bertrand. O convite à Monumental, Artistas Associados foi feito com o intuito de envolver dois artistas plásticos deste colectivo, o que acabou por não acontecer. Esta associação dissolveu-se após a exposição colectiva “Sete Pecados Capitais” realizada na Sociedade Nacional das Belas Artes, em 1990.
(2) CENTA, Tojeira , edição do CENTA, Lisboa, 1990
(3) COIMBRA, Rui H. , “Revelação” in Jornal O Independente, 20 de Outubro de 1989
(4) Salgueiral é uma pequena povoação, a 900m da Tapada da Tojeira e a cerca de 7 Km de VVR.
(5) Esta actividade, concebida por mim no ano passado, ainda não foi iniciada por falta de solicitações.
(6) Centa 10, edição do CENTA, VVR,1999 (não publicada por falta de verbas)
(7) Este programa é um bom exemplo não só da dificuldade de acesso aos apoios disponíveis, mesmo os da iniciativa do ministério que nos tutela , como do risco de trabalhar em vão. Tivemos conhecimento, casualmente, do programa uma semana antes do fecho do período de candidatura (31de Janeiro de 2006). Apesar disso e mercê da relação já existente com o Agrupamento de Escolas de VVR foi possível terminá-la a tempo. No entanto, não é possível programar actividades nem mesmo para o ano lectivo de 2006/07, por desconhecimento dos resultados.
(8) Guedes,André, “A Dois”, CENTA, 2006
(9) Gil,José, “ Portugal, Hoje O Medo de Existir”,Relógio D´Água,2004
(10) O Decreto-Lei nº 225/2006, de 13 de Novembro, estabelece o novo quadro de financiamento público e apoio às artes, regulamentado na Portaria nº 1321/2006 de 23 de Novembro.
(11) Concebido e orientado por Nuno Carrusca.
(12) Texto do programa da peça “Nus Meios”.
(13) O Fantástico na Escola, CENTA ,Outubro de 2006
(14) Texto elaborado por Bruno Carvalho para o blog centa-tojeira.blogsopt.pt
(15) Texto elaborado por mim para o debate sobre descentralização, Dia Mundial da Dança, Teatro Camões,2006 (16) Passos, Graça, in BT, nº 14, editado pelo Forum Dança, Dezembro de 2003
(16) A criação da REDE iniciou-se com a convocação de todas as estruturas de dança independentes (excepto a Companhia de Dança de Lisboa) para a reunião preparatória a 21 de Nov de 2002, em que se discutiu a sua forma (deve ser uma estrutura formal ou um grupo informal de pressão?) e a sua natureza ( é mais importante a sua abrangência/ nº de estruturas, apesar da dificuldade de comunicação ou a existência de uma identidade forte apesar do número mais restrito de estruturas?). Optou-se pela formação de uma associação cultural sem fins lucrativos e pela necessidade de apostar na identidade, procurando enunciar um território onde todas as estruturas constituintes se reconheçam”. Critérios como a participação de estruturas de todas as áreas (formação, criação, investigação, programação e residências artísticas); a importância histórica da estrutura e a representatividade de “gerações” levaram á definição dos sócios fundadores. São suas associadas: Bomba Suicida, CEM, CENTA, Alkantara, Eira, Fórum Dança, Jangada de Pedra, Ninho de Víboras, O Rumo do Fumo, RE.AL, Dupla Cena, NEC, Companhia Clara Andermatt, Companhia Paulo Ribeiro, balleteatro, O Espaço do Tempo, Galeria ZDB e Fábrica de Movimentos
(17) Manifesto “Cultura do Despercício”, 15 de Novembro de 2004
(18) Manifesto “Cultura do Despercício II ”, 12 de Setembro de 2005

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